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A Jornada do Herói: o chamado


O Homem do Norte (2022)
O Homem do Norte (2022)

"Para se despertar é preciso ter-se dormido profundamente e o ser humano comum não dorme profundamente o sono sem sonhos. Dorme ainda entre sonhos: vívidos, alegres e terríveis." Wanda Velloso


Ninguém nasce herói. Os heróis forjam-se, gestam-se e conquistam-se com toda a força do ser. Mas antes de mais, eles têm de ser chamados.


O chamado não raras vezes ocorre pela mão de uma desgraça qualquer que se abate sobre a vida. Um empurrão certeiro que atira a pessoa para a valeta da existência sem aviso prévio e sem qualquer tipo de indício. E o ser humano tende espetacularmente a sentir-se vítima de uma emboscada que a própria vida com as suas mãos invisíveis armou para si. A empresa faliu, as trapaças foram descobertas, a esposa traiu, o acidente ceifou alguns sonhos, o choque emocional fez ruir o mundo interior. Parece que um rol de injustiças decidem levar a melhor sobre si e sobre os planos tão bem elaborados para a sua história sobre a terra. O que quer que tenha acontecido é a voz que chama o indivíduo a forjar-se herói/heroína. A crise é o chamado. O holocausto é o chamado. A desgraça é o chamado. E este é um chamado que dói, que esmaga convicções, que rasga ilusões, que dissolve orgulhos.


E onde há dor há defesa. E um dos mecanismos de defesa do ego expressa-se ao recusar o chamado. E a recusa a esta convocação tem o condão de converter a jornada no seu reverso e torná-la infernal, terrífica, brutalmente hostilizadora. Aquilo que era uma crise, tinha vindo por bem. Tinha arrancado a luz falsa que tanto se estimava, mas a sua voz era doce. Recusá-la havia de a tornar a mais perigosa das criaturas abocanhando o coração do escolhido. Aprisionado pelos ventos da distração, pela estupidez, fraqueza de caráter e moral ambígua, o anti-herói renega o seu caminho, destino, fado ou fortuna. Recusa-se a aceitar a sua torre desfeita em cinza e por isso ergue outra, que se desfaz logo de seguida. E após essa, num esforço sobre humano outra e outra ainda mais elevada, ainda mais espantosa, que se desfaz de uma forma ainda mais dantesca. O seu esforço é desintegrado sob os propósitos insondáveis da vida. E o homem luta com os vastos céus impondo ser deus de si mesmo, dono e senhor dos seus desejos. Está sob a hubris de si mesmo. Joseph Cambell refere que "se cada um for o seu próprio deus, então o próprio Deus, Sua própria vontade divina inconsciente, o poder que destruiria o sistema egocêntrico de cada um, se transformará em monstro."


Começa aí uma perseguição mais suave ou mais demoníaca pelo divino inscrito em si mesmo, o Self feito Deus, centelha divina viva no fundo do corredor labiríntico da psique extraviada. É Deus quem chama. É Ele mesmo que se chama. Mas o escolhido não sabe, não tem ouvidos nem olhos, mas pressente no íntimo de si mesmo que aquilo que ocorre exige de si um caminho de sacrifício. E como diz Carl Jung: "Não há despertar de consciência sem dor. As pessoas farão de tudo, chegando aos limites do absurdo, para evitar enfrentar a sua própria alma."


A fuga terá a sua odisseia, como todas as fugas a todos os chamados da alma e esta será o preâmbulo da Jornada do Herói.


(continuação na próxima semana)




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